segunda-feira, 10 de agosto de 2009

1. Gestal’terapia

O núcleo do real é a ação.
F. Perls.


A Gestal’terapia é, em específico, uma di-mensão particular do(s) movimento(s) da Fenome-nologia, em sua vertente existencial, da Filosofia da Vida, e do Existencialismo.
Surge da percepção de que a Fenomenolo-gia existencialmente constituída, e o Existencia-lismo, em suas intersecções com a Filosofia da vi-da, e com a tradição hermenêutica, se podem constituir como uma rica possibilidade de psicote-rapia, e de condições para o crescimento, e para a potencialização do crescimento humanos. As perspectivas e concepções, assim, da Fenomenolo-gia da tradição de Franz Brentano – fundadoras da Fenomenologia, e da Fenomenologia e Herme-nêutica Existenciais --; as concepções da Psicolo-gia Organísmica, de Kurt Goldstein; as concepções da Filosofia de Vida de Dilthey, e de Nietzsche – concepções estas que privilegiam o homem artísti-co, e o modo expressivo e artístico da existência, com relação ao homem científico e ao modo cientí-fico da existência --; as posturas e concepções do Expressionismo; as concepções e posturas da Filo-sofia do Diálogo, de Martin Buber, as concepções da psicologia da Gestalt, as perspectivas do zen; e a influência de alguns teóricos dissidentes do mo-vimento psicanalítico, como Otto Rank, C.G. Jung e W. Reich, passam a ser configuradas e experi-mentadas como concepção e método de psicotera-pia e de psicologia.
Foi, assim, a compreensão de que estas perspectivas poderiam constituir os fundamentos da concepção e metodologia de uma abordagem de psicoterapia que levou à síntese da Gestal’terapia por parte de Fritz e Laura Perls, e companheiros.
No rico ambiente intelectual, cultural e ar-tístico, da Alemanha, em especial de Berlim, do i-nício do Século XX, essas linhas de influência pu-lulavam. E confluíram na formação de Fritz e de Laura Perls, constituindo-se numa potente linha alternativa à formação médica e psicanalítica de Fritz Perls.
Fritz Perls, junto com Laura, investiu sua vida na constituição, a partir dessas influências, de uma abordagem original de psicologia e de psi-coterapia.

O mundo intelectual e artístico de Berlim, no qual eles viviam e cresciam, foi devastado pelo nazismo. Os Perls, ela psicóloga, ele médico, e a-inda psicanalista, fugiram para a África do Sul, com uma breve passagem pela Holanda, equanto Ernest Jones providenciava as condições para o destino do exílio.
Perls se afastou da Psicanálise, e começou a desenvolver a sua abordagem.
Mais uma vez emigardos, alguns anos de-pois. Agora para os Estados Unidos, em Nova York. É aí que vão desenvolver as suas elabora-ções e concepções, e as suas vivências, relativas ao que, posteriormente, viriam a cognominar, não sem alguma vacilação, de Gestal’terapia. Concep-ções e vivências herdadas daquelas potentes e cri-ativas influências do mundo intelectual e artístico da Alemanha, e em particular de Berlim, anteri-ormente à primeira e à segunda guerra mundiais.
Laura trazia uma experiência importante com expressão corporal, o conhecimento da psico-logia da Gestalt, e a experiência de um aprendiza-do aproximado com Martin Buber, além de robus-ta formação teórica. Bagagem que tão bem se casava e interagia com a experiência de Fritz com o teatro expressionista de Max Heinhardt, com a sua experiência com a psicologia da Gestalt, atra-vés dos trabalhos e concepções revolucionários de Kurt Goldstein no instituto de estudos neurológi-cos para soldados com lesões cerebrais – estudos e concepções que vieram a revolucionar, e ainda hoje revolucionam, a Neurologia e a Psicologia --; e o conhecimento alternativo da Psicanálise, que Fritz auferira com as perspectivas de C.G. Jung, de Otto Rank, W. Reich, Karen Horney, Erich Fromm, H.S. Sullivan.
Os Perls, em Nova York, juntam um peque-no grupo de formandos, e iniciam um programa de formação, ao mesmo tempo em que desenvolvem intensa prática profissional. Inicialmente, em Nova York, e a seguir em Cleveland, na Flórida e na Ca-lifórnia. Em seguida no Canadá, disseminando-se então por todo o mundo, já nos anos cinqüenta e sessenta. Configurando, então, uma robusta op-ção no âmbito das psicologias e psicoterapias. Ro-busta, em particular, na medida em que traziam para a Psicologia e para a Psicoterapia as originais e potentes perspectivas, concepção e método da Fenomenologia, do Existencialismo, e da Filosofia da Vida, fortemente marcados pelas experiência, concepções e metodológica do Expressionismo.
As correntes que confluem na constituição da Gestal’terapia se caracterizam por uma confi-ança afirmativa e profunda, e ousada, na ação, atualização. Ou seja, no modo de sermos da vi-vência fenomenológica da potência do devir do possível, e da possibilitação. E na superação, que estes propiciam, como características definidoras do ser/devir da condição humana, individual e co-letiva.
Entendem assim que é no âmbito da vivên-cia deste particular modo de sermos – o modo de ser compreensivo, o modo de sermos que é o vivido fenomenal, a vivência, o pré-reflexivo ser-no-mundo, eu-tu -- que o possível, a possibilidade, se dão, e se desdobram como ação. É ao nível do vi-vido fenomenal, compreensivo, que o possível é possível, e se desdobra; como ação contactante, interpretação*, humanas. Mais especificamente, como criação, e arte humana da existenciação.
Ou seja, não é exatamente no, igualmente humano, modo de ser da reflexão, da teorização, da abstração (abstração do corpo, do vivido e dos sentidos), ou no modo de sermos do comportamen-to (a humana dimensão da atividade padronizada, repetitiva, condicionada, previsível...), que o possí-vel, a possibilidade, se ato-alizam. O modo ontoló-gico de sermos é própria e especificamente pré-reflexivo, e pré-comportamental.
A humana dimensão de ser/devir, na qual o possível é possível como vivência, e se desdobra; dimensão de ser/devir na qual se dão a supera-ção, e os seus desdobramentos, na condição hu-mana, é, propriamente, assim, o humano modo de ser do vivido, a vivência afirmativa do vivido (con-tato). Vivido, vivência, compreensão (diferente do modo de sermos da explicação), como designou Dilthey. E que Brentano entendeu como consciên-cia empírica. Que Buber chamou de dialógico, ou relação eu-tu. Que Heidegger chamou de ser-no-mundo, eksistencia. Que Goldstein, e Rogers cha-maram de experiência organísmica. Que no âmbito da Gestal’terapia Norte Americana chegou-se a designar como awareness.

A disposição audaciosa para a afirmação desse modo de sermos do vivido, para a afirmação de possíveis, de que este vivido necessariamente é impregnado, e de seus desdobramentos -- disposi-ção que permite as efetivações da ação contatante -- é o que se entende em Fenomenologia existenci-al como experimentação. De Nietzsche, e de suas outras raízes fenomenológico existenciais, a Ges-tal’terapia herdou esta disposição audaciosa, e ousadia fenomenológico existencial experimental, para privilegiar a ação, a atualização do possível, o modo de sermos da ação e da atualização. Como o natural e saudável modo de sermos da vivência humana, e da potencialização da atualização, a-ção, do ser humano. Que desta forma se supera e se cria a si mesmo com o mundo que lhe diz res-peito. É esta ousadia fenomenológico existencial experimental que caracteriza a concepção e méto-do da Gestalt Terapia. E que potencializa aquela sua característica fundamental que a existência segredou a Nietzsche: eu sou aquilo que se auto-supera indefinidamente...

Na otimização, no resgate, e no desenvolvi-mento, da habitualidade experimental da vivência ativa e potente, Perls entendeu não só o modo co-mo existimos como humanos, mas, igualmente, o modo estratégico natural para a resolução de questões e crises existenciais, para a superação e crescimento humanos.

De modo que é assim, nesse sentido feno-menológico existencial, que podemos dizer que a Gestal’terapia é uma abordagem fenomenológico existencial experimental de psicoterapia e de psi-cologia.

Aí reside a sua atualidade, e o seu potencial produtivo, no âmbito das práticas e dos desenvol-vimentos da psicoterapia e da psicologia no Brasil. Sabemos dos intensos processos de redefinição e de re contextualização que a psicoterapia e da psi-cologia têm passado, e passam, no Brasil. As no-vas demandas e novos ambientes em que somos, enquanto psicólogos, solicitados a intervir e atuar; tais como os desenvolvimentos alternativos da clí-nica, o hospital geral, o desenvolvimento comuni-tário, a psicologia ambiental, a terapia familiar, a pedagogia, a escola, a empresa, a educação para a saúde, a prevenção em saúde...
Em todos esses contextos, as característi-cas experimentais fenomenológico existenciais da Gestalt Terapia permitem a concepção e o desen-volvimento de vivências produtivas, que respon-dam às demandas dos clientes, e das populações com as quais trabalhamos, por auto-regulação, ajustamento criativo, auto-superação, criação, a-tualização de possibilidades. Permitindo-nos, in-clusive, a participação na potencialização da cria-tividade nos processos de produção cultural, de que historicamente tanto carecemos.